Uma série de disputas vem transformando as águas naturalmente agitadas do litoral norte de São Paulo num verdadeiro e intempestivo vagalhão político. Enquanto praias como Maresias vivem o estouro recorde de competições de surfe, em São Sebastião, cidade que acolhe o mais badalado balneário do Estado, com cerca de 70 quilômetros de areias paradisíacas, a discussão em torno da verticalização da orla ganha contornos polêmicos. O responsável por esse caloroso bate-boca chama-se Juan Manoel Pons Garcia (PPS), prefeito de São Sebastião. Ele é o mentor de um projeto de lei que libera a construção de prédios de até cinco andares na região. A legislação vigente limita a altura das construções em 9 metros, ou cerca de dois andares. Por esse motivo, em março de 2005, a prefeitura começou a colocar em prática o Programa de Congelamento dos Núcleos com Assentamentos Precários e/ou Irregulares. Desde então, ninguém mais pode construir nessas áreas, cuja vegetação já está bastante degradada. “Foi o primeiro passo para regularizar os 41 núcleos que mapeamos, onde pretendemos criar as Zeis”, afirma a jovem Claudia Castro, 24 anos, que é a coordenadora do programa. A ação envolve levantamento topográfico para delimitação da área, cadastramento das famílias para averiguar a condição socioeconômica e fundiária, além de monitoramento diário para garantir o tal “congelamento”. Eis o problema: a expectativa é de que o levantamento só seja concluído em 2007. Trata-se do único estudo capaz de servir de embasamento para o tal projeto idealizado pelo prefeito.
Não há, até o momento, uma análise minuciosa das condições ambientais e urbanísticas, além de números que comprovem a quantidade de pessoas que moram em áreas de risco e no Parque Estadual da Serra do Mar. Segundo a proposta do prefeito, são essas pessoas que teriam que ser redirecionadas para outras regiões, mediante sugestões da própria comunidade. Para isso, a idéia inclui a possibilidade de se construir edificações de até cinco andares para acomodar os moradores dentro das Zeis. E, de acordo com o projeto, as Zeis seriam determinadas por decreto, posteriormente à aprovação da lei.
Para o time do contra, esse projeto de lei é autoritário e inverte a ordem das coisas. “Antes da aprovação da lei, é preciso definir quais serão as áreas consideradas Zeis, entre outras providências. Isso deve constar no Plano Diretor da cidade”, explica Elaine Taborda, promotora de Meio Ambiente do litoral norte de São Paulo, e que é a favor do projeto desde que seja respeitada a ordem dos procedimentos. Ocorre que o Plano Diretor de São Sebastião está sendo revisado agora, pois o último expirou em 2004. Diversas reuniões e audiências públicas têm sido coordenadas por uma equipe multidisciplinar para definir as metas que a cidade deve seguir nos próximos seis anos. “O Plano Diretor será votado na Câmara em outubro. A lei que regulamenta as Zeis deve vir depois”, reforça a Procuradoria Jurídica da Câmara. Em outras palavras, a discussão sobre o Plano Diretor é tão importante quanto esse projeto de lei, pois também envolve diretamente a verticalização do município.
Atualmente, a legislação municipal permite a construção de três pavimentos no centro e dois pavimentos, o equivalente a nove metros, na orla. Segundo o polêmico projeto de lei, a altura máxima pode chegar a cinco andares, ou 15 metros, nas áreas definidas pela prefeitura. “São Sebastião deve ter o direito de continuar sendo diferente dos demais municípios”, afirma o estudante Diogo Soares, criador de um abaixo-assinado (
http://www.petitiononline.com/vertss/petition.html) contra o projeto e que já conta com mais de 15 mil assinaturas. O objetivo é chegar a 20 mil nomes.
Uma das preocupações dos vereadores e moradores contrários à aprovação é o aumento da especulação imobiliária. “O prefeito fala que não tem área suficiente para construir casa, mas há áreas mais que suficientes”, provoca Wagner Teixeira (PV), líder da oposição na Câmara. “Quero então que me mostrem onde estão estas áreas, pois o terreno na região é caríssimo. Tenho urgência em resolver a situação destas famílias; o decreto permite que isto seja feito rapidamente”, retruca o prefeito. Tido como turrão e indelicado, Juan Garcia recentemente sofreu uma tentativa de homicídio na praia. Na Justiça, dois escândalos envolvendo contratos sem licitações carregam o nome de Garcia: 7 milhões de reais destinados à manutenção de escolas públicas e outros 9,6 milhões de reais ao tratamento de lixo. As mudanças são necessárias e urgentes, disso ninguém discorda.
Mas a questão deve ser aprofundada e todos devem ficar de olho inclusive no andamento do futuro Plano Diretor.