sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Diminuem os estoques pesqueiros no Litoral Norte

A sobrepesca, esforço de pesca sobre determinadas espécies de valor comercial; o desenvolvimento da tecnologia pesqueira; a ação dos atuneiros; a poluição; a destruição dos mangues; e até o aumento do tráfego marítmo.
Estes são alguns dos fatores citados por pescadores, empresários do setor, pesquisadores e órgãos de fiscalização, para explicar a diminuição dos cardumes na região. Em conseqüência disto, houve a implantação de medidas de proteção, como o defeso e o tamanho mínimo para a pesca. Estas medidas são mais conhecidas em relação ao Camarão e a Sardinha, mas também foram estabelecidas pelo Ibama para inúmeras outras espécies (ver www.ibama.gov.br/cepsul).
“O Carapicu, aquele peixinho prateado, de nadadeira amarela, que tinha de montão por aqui, desapareceu. Era muito fácil pescá-lo próximo das costeiras, mas agora ele sumiu”, lamentam os pescadores de fim de semana. Charles Templar, que pesca na região desde a década de 50, reconhece o sumiço do Carapicu. “Este peixinho é uma delícia grelhado, mas a gente não o encontra mais. Antes era fácil pegá-lo aqui no Canal, em profundidades de até três metros.A Garoupa também diminuiu muito por causa da isca artificial. Há mais de dois anos que as grandes sumiram. Agora só na Costa Sul e em Castelhanos”, diz ele.Mas não diminuíram apenas a Garoupa e o Carapicu, também conhecido por Escrivão, Caratinga e Carapicu-Açú – os dois últimos nomes, na verdade, designação de outros peixes, semelhantes, mas de espécies diferentes, segundo os técnicos.
O mesmo fenômeno vem acontecendo com o Badejo, que vive em tocas; ou ainda com o Mero, que é de águas profundas, enorme e “bobo”, fácil de ser capturado e cuja pesca está totalmente proibida já há vários anos. Até a tainha, tão famosa na cultura caiçara e cujos cardumes fervilhavam no mar nos períodos de inverno, agora aparecem com menos freqüência.
Tecnologia de captura
“Sem dúvida, um dos fatores para a diminuição dos estoques pesqueiros é o avanço da tecnologia de captura”, diz o empresário Modesto Koji Ono, o Kotian, vereador em São Sebastião e cuja família há 50 anos trabalha no ramo. “Há 20 anos era preciso ter o Mestre Proeiro nos barcos, cuja função era enxergar os cardumes. Depois bastava passar por cima, hoje nem isto mais é preciso. Agora os cardumes são localizados à distância, por meio dos sistemas de radar e sonar”, conta Kotian.Ele lembra ainda que, em noites de lua cheia, os pescadores não saíam para pescar porque os cardumes “afundam” no mar para escapar da claridade. “Agora eles não tem mais como se esconder”, reconhece o empresário.Kotian diz que o Carapicu ainda é pescado nas costeiras com rede de espera; e que o Badejo sempre foi muito difícil – “Para cada 100 Garoupas, recebíamos apenas um Badejo”, conta.Segundo ele, espécies que também diminuíram foram o Peixe-Porco; e os “peixes de passagem”, espécies como Carapau, Xaréu e Tainha, que paravam na região para se alimentar. “Os cardumes de Tainha vinham inteiros para desovar aqui, agora eles são mortos no Sul, antes mesmo de conseguirem subir”, afirma.Kotian denuncia ainda a ação dos atuneiros, barcos especializados na captura do Atum. “Eles trabalham com isca viva, jogam a rede próximo das costeiras, pegam tudo, transportam numa piscina dentro do barco e jogam em alto mar para atrair e fazer fervilhar os cardumes de Atum. E estas espécies, usadas como isca viva, é que eram o alimento dos peixes de passagem”, afirma.Ele acredita que o Defeso e o Gerenciamento Costeiro, que desde 2004 proíbe o arrasto até 23 metros de profundidade, são medidas que vão ajudar na reposição dos estoques.
Preservação
“Todas as espécies, de alguma forma, vivem esta situação de diminuição dos estoques devido à sobrepesca. Umas mais atingidas, outras menos. Daí a necessidade de controle na captura”, diz o engenheiro agrônomo José Roberto Sanguineo, do escritório do Ibama em Caraguatatuba.Entre as medidas preventivas, ele cita o limite de embarcações autorizadas a trabalhar em cada região; a implantação dos períodos de Defeso, para proteger a espécie durante a época de reprodução; e a fixação de um limite mínimo de tamanho permitido para captura em cada espécie – Sardinha, 15 cms; Parati, 20; Badejo de areia, 30; Tainha, 35; Garoupa, 47; Tubarão-Martelo, 60; e Cação-Vida, 80.A lista é enorme e está definida pelo Ibama na Portaria 73N/2003. Quem estuda e estabelece estas medidas são os técnicos do Cepsul – Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sul e Sudeste, órgão do Ibama, localizado em Itajaí (SC).
Como a poluição afeta a fauna marinha
“Além da sobrepesca, temos a poluição, o excesso de circulação de barcos produzindo muito barulho, e a destruição dos ecossistemas costeiros. Todos estes fatores se combinam para provocar a diminuição da fauna marinha”, explica o biólogo Álvaro Migotto, Diretor do Cebimar – Centro de Biologia Marinha. O Cebimar, um campus avançado da USP, instalado nas proximidades da Praia de Barequeçaba, em São Sebastião, produz pesquisas sobre o Canal desde a década de 50.“Quando falamos em poluição, não se trata apenas do lançamento de esgoto doméstico ou industrial. A turbidez da água, que está aumentando muito, é uma forma greve de poluição.
Ela é provocada por desmatamento, cortes e aterros, que levam ao carreamento de terra pela chuva para o mar”, explica Migotto.Ele menciona ainda “a mudança da linha da costa provocada pela construção de aterros e piers. Estas obras podem mudar a circulação de água no local, alterando o sistema de sedimentação na água, levando a uma deposição maior de sedimento fino onde antes não existia. Tudo isto pode, por exemplo, afetar as algas que antes faziam a fotossíntese e agora não dispõem mais de luz suficiente para cumprir esta tarefa”. “No caso da sedimentação, ela pode afetar pequenos organismos invertebrados que são alimento, afetando a cadeia alimentar. Isto acaba por afastar as espécies que se alimentavam daquele organismo. Ou seja, há toda uma interação na cadeia ecológica.A poluição pode não ser letal naquele momento, como ocorre quando há acidentes ambientais agudos provocando mortandade de peixes, o que seria um efeito direto.
Mas existem os efeitos indiretos, o efeito crônico daquela poluição que, somado ao longo dos anos, pode diminuir, por exemplo, a parcela de indivíduos com capacidade reprodutiva, `enfraquecendo` aquela população, naquele lugar”.Para o Diretor do Cebimar, agora é necessário fazer o caminho inverso e também combinar diversas medidas preventivas para se tentar reverter a situação.
Entre elas, a diminuição da poluição lançada ao mar, a criação de áreas marinhas protegidas, onde se preservem os ecossistemas costeiros – restingas, mangues e estuários de rios.“Algumas espécies costeiras precisam adentrar os rios para se alimentar ou desovar, e são justamente os rios os mais afetados hoje, com construções irregulares, poluição, corte da vegetação de mata ciliar, mudança de curso, etc”, alerta o biólogo

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